









Manifestação de apoiadores do regime militar (1976-1982).


Avós e Mães da Praça de Maio.


Carlos Linger chegou ao Rio de Janeiro em meados de 1976. A viagem não era turística, ao contrário, desembarcava nervoso e com um objetivo específico. Em uma pequena mala, além de meia dúzia de roupas, levava uma correspondência para ser entregue a uma pessoa que nem sequer conhecia. Pouco tempo antes, ainda em Buenos Aires, cidade natal, a recém-instalada ditadura militar (1976-1984) começava a vitimar pessoas muito próximas ao seu círculo de amizades. Casado e com dois olhos pequenos, o exílio era uma saída à brutalidade do regime. Um amigo portenho redigiu, então, um bilhete endereçado a uma amiga carioca pedindo a ela que
recebesse emergencialmente, em sua casa, o jovem casal e as crianças. Carlos cumpriu a sua missão entregando a carta. A nova amiga também.
Pedro Linger, com pouco mais de um ano, veio morar no Brasil nessas circunstâncias. Filho mais novo de Carlos, um médico argentino, e Suzanne, uma psicanalista francesa, viveu no Rio de Janeiro até os oito anos quando seu pai foi transferido por motivos profissionais para Bolívia, Costa Rica e depois Nicarágua. Aos 16 anos, já trabalhava nos fins de semana como fotojornalista para um periódico em Manágua e, aos 20, foi estudar fotografia na Universidade de Nova York. Trabalhou como correspondente do Página 12 e depois de quase onze anos nos Estados Unidos, voltou por um breve período a Buenos Aires. Em 2009, mudou-se para o Brasil onde mora até hoje.
O ensaio que se segue foi feito entre 2002 e 2007, grande parte durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015). O país acabava de passar por uma crise agravada pelas medidas econômicas do ministro Domingo Cavallo, o corralito (2001). Foi um período de empobrecimento de parte da sociedade argentina e ao mesmo tempo (ou por conta disso) de grande engajamento social. As cozinhas populares se multiplicavam, a capital recebia um contingente de descontentes que exigiam um estado de bem-estar social e engrossavam os protestos no centro do poder. A
reabertura dos julgamentos dos responsáveis por crimes durante a ditadura também estimulou o debate sobre direitos humanos. As Avós e Mães da Praça de Maio dividiam território com (impensáveis) manifestações de apoio aos militares. Realidades que coexistiam, mas poucas vezes se cruzavam, se aproximaram forçadamente por conta das constantes manifestações e bloqueios nas ruas.
Pedro nunca deixou de visitar Buenos Aires e esta pequena coleção de fotografias poderia ser pensada como um olhar estrangeiro de um argentino desterrado. As imagens não são propriamente da Argentina de sua infância, mas as sombras dos acontecimentos daquele período estão presentes aqui. É a mesma Argentina e sempre outra. Para além do registro objetivo de um momento histórico, as fotografias de vinte anos atrás poderiam nos falar algo sobre o presente? O ensaio
propõe um diálogo visual onde a singularidade de cada momento importa tanto quanto a possível associação com outros tempos, pretéritos ou futuros.
Buenos Aires, Argentina. (2002, 2005; invernos 2006, 2007).
