Sintaxe

O curta SINTAXE surge como ideia quando leio uma matéria de imprensa a respeito do crescimento exponencial de homens e mulheres na faixa dos 40 e 55 anos em sites de relacionamento online (be2, Happn, Tinder, POF). A pandemia do novo Corona-vírus e a experiência de isolamento social teriam disparado a busca por novas amizades, encontros e bate-papos no ambiente virtual. 

Começo a visitar alguns sites em abril de 2020 e logo percebo que o assunto “pandemia” suscita gracejos mas igualmente temores, sobretudo da solidão. A expectativa de laços afetivos e afinidades é imensa assim como o receio da rua, dos espaços públicos. O passo seguinte, decido, é fazer uma chamada nas redes sociais convidando mulheres, frequentadoras dos sites e abertas à participação em um projeto audiovisual, para entrarem em contato. A ideia inicial era que se filmassem com seus celulares, nos espaços e lugares prediletos da casa, lendo os próprios textos de perfil nos sites. O material seria editado posteriormente. O projeto não avança: timidez, constrangimento, vergonha.

Começo então a acessar amigos e amigas, colegas distantes, pais da escola do filho, a diarista, o porteiro do prédio: você frequenta estes sites, já frequentou, tem amigas que frequentam? A rede de pessoas se amplia de norte a sul do país. Tais perguntas despertam a curiosidade pelo projeto e o desejo de contribuir com relatos e histórias. Fragmentos de textos de sites são enviados massivamente: por e-mail, whatsapp, messenger, prints de tela e até áudios. Seleciono perfis, a descrição de quem buscam, a relação com a pandemia, o isolamento, a cidade onde moram, crio relações e invento analogias. O material enviado é heterogêneo e repleto de vazios. Começo então a imaginar mulheres, suas casas, seus corpos, seus lutos, seus filhos, as parceiras e os parceiros desejados, suas vidas. As lacunas que habitam o material enviado favorecem narrativas, montagens e fabulações.

Decido roteirizar doze perfis femininos e convido a amiga e atriz, Nira Lima, que aceita fazer a leitura e ser dirigida à distância (pela plataforma zoom). Nira escolhe os lugares de sua própria casa para as cenas e se filma com um iphone. Papéis amassados, escritas rabiscadas, telas, a cama vazia, o espelho, uma mulher no quadro. As imagens são atemporais, pouco realistas e gráficas em seus efeitos. Fernanda Bastos aceita fazer a edição e colaborar no diálogo com as obras de Leticia Parente, Sonia Andrade, Sophie Calle e Cindy Sherman.

Concluímos o experimento em janeiro de 2021. Escrita, imagem, estrutura e o trabalho sobre coisas banais. Meu projeto: atravessar a ressaca do tempo. Andréa França – Julho de 2021.

“Olá rapazes. Vivo na selva da profissão jurídica. Sou advogada de Direito de família e estou separada do pai do meu filho há 3 anos. Adoro meu trabalho mas ando esgotada nos últimos tempos. Além da pandemia da Covid-19, fui atropelada pela pandemia dos divórcios. A quarentena está destruindo o verniz das relações. O que sobra é o lamaçal das aparências. Ando exausta. Moro no Rio. Busco companheiro que tenha bom humor e que goste de cozinhar. De preferência, advogado. Sem foto, sem chance”.

Trechos dos quadros vivos.

“Procuro mulher acima de 50 anos e de preferência gorda. Se quiser carinho e cuidado, me chama. Sou feminina, culta e discreta. Dispenso homens, casais, curiosos e pornografia. Trabalho parte do tempo em hospital e adoro gatos. Tenho uma filha adulta que não mora mais comigo. Sou pediatra”.

“Tenho 52 anos, sou solteira e livre. Busco mulher para compromisso sério. Moro no Rio de Janeiro. Não procuro mulher masculinizada ou imitação de homem. Quero alguém que seja meiga e carinhosa. Também sou assim, deste jeito. Adoro mensagens de bom dia, boa tarde, estou pensando em você. Sou romântica. Espero sinceramente conhecer uma mulher que deseje um relacionamento. Como estamos em plena pandemia, não vai rolar de nos encontrarmos logo. Por outro lado, teremos bastante tempo pra conversar antes. Whatsapp, Messenger, Skype, tá tudo valendo. Ah! Eu moro na Barra”.

Publicado por Andrea França

Andrea França

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