Memorial do Rio: uma análise heterotópica

Introdução

Ao acaso, tive acesso às heterotopias.

Não conhecia essa classificação do espaço, esse esforço de pensá-lo inscrito não na neutralidade, mas no mundo físico, com suas falhas e irregularidades. Nunca me interessei pelo que se tornam as utopias quando são materialmente realizadas.

Mas com Maria Alice, eu sabia. Havia uma heterotopia em seu quintal.

Um lugar onde, para entrar, era preciso afastar algumas plantas do seu rosto, pois elas empurravam incomodadas o portão da casa quando alguém ousava abri-lo, forçando-o contra elas. Rodeado por um muro engolido por buganviles rosa, o jardim reunia exemplares dos mais diversos, como um pequeno oásis botânico em meio a um condomínio asfaltado e quase sem calçada. Mesmo com um chão todo azulejado, o verde dominava a paisagem em canteiros, vasos e potes suspensos. Samambaias, azaleias, rosas, rosas do deserto, margaridas, tumbérgias. Fora a horta, com tomate, maracujá, inhame, boldo, manjericão. Mesmo a bananeira da vizinha tinha inveja da fertilidade do terreno ao lado e fazia questão de esticar seu braço até depois do muro para que seus frutos caíssem na heterotopia de minha avó.

E a guardiã não deixava barato para nenhuma visita. Todos que ali entrassem, deveriam ser conduzidos por um passeio, no qual ela mostraria de perto cada exemplar, como se a Arca de Noé da flora mundial fosse a sua casa. Não à toa, na última vez em que a vi, ambos com máscara no rosto para uma fofoca distanciada que reduzisse as saudades, Maria Alice, além do tour, ofereceu-me um vaso para que eu tivesse também um pedaço de seu jardim. O antúrio que ganhei era lindo. Sua flor vermelha e em formato de coração parecia plástico e, apesar de durar muito, não o era, pois, mais cedo do que eu esperava, ela murchou.

Essa foi a última vez que vi minha avó em vida. Um pouco mais de duas semanas depois disso, minha avó foi internada. Não muito após, ela faleceu, vítima da covid-19. Meu avô, seu marido, também foi internado, e apesar de não ter evoluído como um caso grave e, eventualmente, ter se curado da doença, saiu do hospital com suas sequelas da idade ainda mais agravadas. Ele também faleceu alguns meses depois.

Ambos foram enterrados num lugar com menos cores: o Memorial do Rio, um cemitério vertical. Já havia estado em alas de gaveta dentro de cemitérios “normais”, daqueles com lápides e mausoléus. Também já havia assistido a filmes, como Sinfonia da Necrópole, que satirizam o estranhamento da morte verticalizada. Mas foi a primeira vez em que de fato entrei em um prédio inteiramente dedicado a isso, sem nenhum outro tipo de jazigo. Foi também a primeira vez em que enterrei entes tão próximos.

No caso do Memorial do Rio, antes de sua construção, não havia um cemitério tradicional no território. Como diriam as letras douradas pregadas na parede da recepção, trata-se de “um novo conceito em cemitério”. Tangenciando a Avenida Brasil, no bairro Peixoto, do Rio de Janeiro, bem próximo a Duque de Caxias, de onde venho e onde eu e minha família moramos por muitos anos, o prédio é cercado por sedes de transportadoras. Do lado de fora de seus muros, há barracas onde se vende salgado e refresco a seis reais às famílias enlutadas e aos trabalhadores da empresa ao lado. O mesmo valor de um biscoito Fandangos na cafeteria do lado de dentro. É um lugar único.

Assimilar que parte da minha família havia se mudado para lá não foi exatamente simples. De uma utópica fertilidade, materializada sobre os azulejos bege daquele quintal, para um prédio revestido por poeira de estrada, muita coisa muda. Para fazer essa travessia, foi importante ter um fio para me orientar. Por isso, longe de fazer jus a toda a problemática socioeconômica e política envolvendo cemitérios verticais, as próximas linhas pretendem ler o Memorial do Rio também como uma heterotopia. É a tentativa de dar forma à fisicalidade dos passos que dei quando, nos últimos meses, estive presente entre suas gavetas.

Princípio I

Imagem 1: Vista de frente do Memorial do Rio, fotografia minha.

O funcionamento das heterotopias pode, inicialmente, ser compreendido a partir de sua tipologia: abrigam crises ou desvios. As primeiras são temporárias, como os centros de serviço militar, que acolhem jovens rapazes em período de amadurecimento. As segundas costumam ser permanentes. No caso do cemitério, a morte é o desvio final. Entretanto, para além da inoperosidade mais óbvia de um corpo falecido, a noção desviante poderia ser também pensada para os corpos enlutados.

No caso da sociedade brasileira, cada vez mais influenciada por um cristianismo neopentecostal conservador, a hipótese da ressurreição, ao mesmo tempo em que projeta uma imagem de plenitude dos que partiram, carrega ainda mais de significado o ato de velar os mortos. Como se, para que os ressuscitados possam se recompor em sua integridade em outro plano, sua materialidade física precisasse de um mínimo de dignidade. Muito depois de Antígona ousar enterrar seu irmão, esse ritual continua a demandar de seus praticantes um desvio.

Isso porque, depois da curva da morte, há uma longa estrada sem retorno para os que ficam. O luto se assemelha então ao trauma ou, nas palavras de Diana Taylor, a uma performance de longa duração. E o eterno retorno da encenação traumática ao traumatizado tem, diante do túmulo, seu palco por excelência. Estar diante do jazigo é também estar diante de um vazio palpável que ironicamente ganha corpo para a experiência da perda, que do contrário nos acompanha sorrateira e despercebida pelas amenidades do cotidiano.

É ela, repousando em nosso silêncio, um desvio de longa duração. 

Princípio II

As heterotopias são marcadas também por transformações ao longo da história de uma determinada sociedade. É o que ocorreu inclusive com os cemitérios. Em um Europa medieval, centrada no cristianismo, esses campos abertos de lápides eram geralmente posicionados ao lado de igrejas, no coração das cidades. Entretanto, a modernidade empurra os cemitérios para os limiares urbanos, pois se a morte ameaça a vida, ela deve ser restringida assim como o fazemos com doenças.

Muitos cemitérios do Rio de Janeiro localizam-se na liminaridade de seus bairros. O São João Batista, abrigando inúmeros túmulos célebres está no canto de Botafogo. O Memorial do Carmo, esgueirado no Caju entre a Avenida Brasil, a Ponte Rio-Niterói e a Baía de Guanabara. E é o caso também do Memorial do Rio, na outra ponta da Avenida Brasil, rodeado por estradas e à margem da entrada principal para o Centro de Duque de Caxias. A diferença dele para os outros dois citados, contudo, é que se trata de um prédio, sem nenhum descampado por onde se possa andar ao ar livre até encontrar a sepultura que se deseja visitar. É um lugar distante, onde a introversão do corpo enlutado se fecha ainda mais para viver sua saudade.

Imagem 2: Vista de uma das janelas do prédio para a Avenida Brasil, fotografia minha.

Poderia pensarmos que esse afastamento faz sentido na contemporaneidade, enquanto um esforço de tornar o ambiente para a vivência específica do luto mais acolhedor. Para viver um outro tempo, aquele que dói e demora, seria necessário afastar-se da explosão de estímulos sensoriais a que os centros de grandes cidades como o Rio de Janeiro nos expõem. Mas estar à margem não significa para o Memorial do Rio estar completamente fora de uma lógica urbana. O luto ganha corpo dentro de uma arquitetura tipicamente vertical, acinzentada, e por cujas janelas ouve-se ainda os ecos vazados dos carros em alta velocidade na Avenida Brasil. 

Princípio III

Uma mesma heterotopia pode reunir em si a sobreposição de espaços distintos. O exemplo mais recorrente dessa característica é o próprio jardim e sua utópica pretensão de reunir em si uma integralidade harmônica do mundo das plantas. No caso dos cemitérios, o que se sobrepõe é precisamente o espaço da memória individual reservado a cada família. Naqueles mais comuns, estruturados em um campo a céu aberto ao longo do qual as sepulturas se organizam lado a lado, cada lápide é um esforço de individualização da pessoa que se foi. E as homenagens que marcam efêmera, mas frequentemente cada um dos túmulos é um reflexo disso.

Em cemitérios verticais, como o Memorial do Rio, contudo, as possibilidades de construção desse tipo de memória, que se renova a cada visita familiar, são desafiadas. Isso porque a própria estrutura de sobreposição de gavetas literalmente sobrepõe também esses espaços para homenagem que, em cemitérios horizontais, tem seu território minimamente preservado. Mesmo a leitura das placas que caracterizam cada gaveta com um nome, uma data de nascimento e uma de falecimento é dificultada se o jazigo estiver no topo da coluna. O que parece sobrar para a interação dos corpos enlutados para com essas estranhas lápides é apenas uma superfície de contato lisa e vertical, onde mesmo uma flor, para ser deixada, precisaria de um instrumento adicional, como uma fita crepe.

Essa planificação estética, que democraticamente homogeneíza os túmulos, soa -não apenas impessoal, mas anestésica. Enquanto artistas como Thomas Hirschhorn montam, para grandes personalidades falecidas, altares artesanais e destoantes em espaços públicos, sacudindo o automatismo dos que transitam na cidade, a única possibilidade de criação plástica oficialmente disponível no Memorial do Rio são coroas de flores. Delicadamente penduradas sobre as gavetas após o fim do sepultamento, elas fazem na verdade parte do serviço de velório. Ainda que a família possa pedir frases personalizadas para estampar a guirlanda, ela será retirada do túmulo após alguns dias.

Imagem 3: Corredor do Memorial do Rio, fotografia minha.

Há, entretanto, um espaço nesse prédio, no andar térreo, em que há alguma individualização para o luto: as capelas onde são velados os falecidos. De todo o edifício, é a parte mais barulhenta, onde se houve, logicamente, choros, mas bem mais frequente do que se pode imaginar, conversas e alguns risos. Parece que, em um lugar onde se pode estar visivelmente próximo ao caixão e, possivelmente, diante do ente falecido já pronto para seu último evento social, alguma leveza contida na interação social dá sustento aos que dolorosamente passam por uma perda.

No caso do enterro do meu avô Arnaldo, o falecimento motivado por insuficiência dos órgãos nos permitiu um velório na capela 7. Estávamos em abril de 2021, em um dos momentos mais críticos da pandemia e não esperava ver tanta gente no mesmo local, mas aparentemente meu avô era muito popular. Foi desesperador ver aproximadamente umas 40 pessoas esfregando as mãos nos próprios olhos encharcados, por vezes tirando a máscara para se recompor, mas surpreendentemente também fui invadido por certo conforto em passar por essa cerimônia em conjunto. Não era qualquer morte, mas uma morte diferente para cada um dos indivíduos presente. De fato, há certa leveza nesse coletivo, que, mesmo contendo pessoas de quem nem gosto, ajudou a pessoalizar um momento duro, denso e frio.  

Imagem 4: Túmulo onde está enterrado meu avô, fotografia minha.

Depois da procissão aos andares de cima para fechar meu avô em uma das gavetas, fiquei feliz pela existência da capela 7.

Princípio IV

O tempo é também fator influente na dinâmica heterotópica. Dentro delas, pode-se afirmar um regime temporal outro. A heterocronia do cemitério, portanto, para além da evidente eternidade que pauta a morte, costuma ser também a da erosão. Em campos abertos, um tempo morto e evanescente se materializa visualmente a partir do inevitável desgaste que as lápides, estátuas, mausoléus e vegetações sofrem com a ação de dissolução orquestrada pela natureza, independente da manutenção gerida pela administração do local.

No caso dos cemitérios verticais, contudo, os jazigos estão protegidos dessa erosão. Mais ainda, eles estão inseridos num sistema de limpeza e preservação que os mantem religiosamente os mesmos durante os anos. A única imagem diferente da estabilidade das gavetas empilhadas ocorre no momento mesmo do sepultamento, quando o caixão entra no buraco que o aguarda enquanto a família observa em um canto. Os funcionários do local, então, posicionam a tampa sobre o vão e começam a selá-lo com cimento. É um processo que dura em torno de dez longos minutos. Após, haverá um quadrado branco ainda sem nome ou datas, apenas com um número de identificação e talvez uma coroa de flores pregada também pelos funcionários. A plaquinha com as informações pessoais demora em torno de quinze dias para ficar pronta.

Imagem 5: Incenso pendurado pela administração em um dos corredores de gavetas, fotografia minha.

Daí em diante o túmulo se mantem o mesmo durante os anos de contrato daquele jazigo, até o momento da exumação, a qual ainda não presenciei e sobre a qual talvez não queira escrever ou pensar. Mas sei que perdura a estabilidade de um tempo não morto, mas congelado. E ele tem o aroma dos incensos que penduram no canto de cada corredor, misturado com o cheiro de cimento sempre fresco.

Princípio V

Entrar ou sair de heterotopias também envolve rituais específicos. Seja a coação das prisões ou o sinal da cruz na porta da igreja, há de se passar por sistemas de abertura ou fechamento próprios em cada um desses espaços.

No caso do Memorial do Rio, há na verdade um obstáculo bastante pragmático à sua entrada: um valor monetário aceito por dinheiro ou pix. Isso para o caso de carros a serem estacionados no andar térreo do prédio. Mas o mesmo vale para quem vai até lá de carro privado ou transporte público, a diferença talvez seja só as outras possibilidades de pagamento. O ponto é que, por ser um edifício localizado à beira da estrada, o acesso até ele é dificultado para quem o deseja fazer a pé: provavelmente será necessário gastar algum dinheiro para chegar até lá.

Aqui, uma certa personalidade metropolitana se faz presente. Dessa vez, materializada em carros e flaneurs, em tudo que cumpre a ordem máxima do chão urbano, como afirma André Lepecki: a circulação. Se as cidades, dentro dessa fantasia de pólis, são o berço de seres livres que se movem por onde bem entendem, performar um momento de dor que lhe exija dar-se conta do que não se move, da ausência, é necessariamente precisar parar. Deslocar-se pelos retornos da Avenida Brasil e pagar para entrar soa como uma burocracia amargamente adequada.

A paragem final não sai de graça.

Princípio VI

A última característica que as heterotopias apresentam diz respeito a sua função: elas iludem ou compensam. Os espaços outros podem construir um caráter fantasioso justamente para denunciar a falsidade do mundo fora dele, bem como podem, em vez disso, estruturar-se sob o mais rígido ordenamento, em contraste direto com o caos que comanda o exterior. Cemitérios verticais, como Memorial do Rio, tentam, portanto, protocolar a experiência dilacerante que pode ser perder alguém, ainda que seu precário protocolo não chegue de fato a compensar qualquer coisa.

Foi o que houve quando perdi minha avó.

Maria Alice faleceu um dia depois do Natal, uma data sobre a qual prefiro não escrever aqui. O enterro, entretanto, foi no dia seguinte, 27 de dezembro. O primeiro ano da pandemia terminou de maneira simbolicamente destrutiva, pois todo o ritual pelo qual pude passar no ano seguinte ao enterrar meu avô, não ocorreu meses antes, quando de maneira muito diferente enterramos minha avó.

O protocolo recomendado para o funeral de quem falece de complicações da covid-19 é não haver velório. O caixão é fechado e poucas pessoas comparecem para, no caso, engavetá-lo. Eu e mais seis pessoas da família estivemos presentes. Estando pela primeira vez no Memorial do Rio, não soube nem mesmo da existência de capelas, pois o caixão foi liberado, pouco depois de termos chegado, e logo subimos para o corredor indicado. Os funcionários nos deram em torno de cinco minutos para realizarmos alguma cerimônia. Rezamos algumas orações e, com dificuldade, agradecemos a Maria Alice por tudo. Deu tempo também de ler a crônica Rosas silvestres, de Clarice Lispector. Também prefiro não tentar explicar em meus próprios termos do que se trata o texto, sob o risco de esvaziar palavras que foram tão importantes num momento delicado.

Imagem 6: Túmulo onde está enterrada minha avó, fotografia minha.

E assim fizemos um sinal com a cabeça para que os funcionários prosseguissem com o cimento. Sem maiores despedidas, sem abraços, sem observar pessoas queridas chegando para uma última demonstração de afeto, sem enxergar o rosto descansado de minha avó pela última vez. Só o peso de um mundo que acabara de ruir. 

Meses de destroços se seguiram antes de eu esbarrar com o texto de Michel Foucault. Não foi conforto o que encontrei em suas palavras, mas talvez certo distanciamento. Pois é difícil aceitar que uma parte das pessoas que você ama está agora encaixada em paredes estéreis. Não é somente a falta de um café da tarde na casa desse alguém, mas a impossibilidade de reconhecer qualquer pessoalidade diante de uma gaveta cinza, que é rigorosamente igual a todas as outras que a cercam. Mas o olhar heterotópico revela que o tom impessoal é de propósito. Num mundo, ou melhor, em um Brasil sem espaço possível para a expurgação dessa dor, a frieza é a maneira viável de se passar por ela, de compensar a ausência de compensação. É um ensaio de acolhimento que não chega a acolher, mas dá alguma materialidade ao luto, posto que o insere nas fissuras de uma sociedade verticalizada.

Ironicamente, quando voltei no Memorial do Rio pela terceira vez, para realizar as fotos que ilustram esse texto, em setembro de 2021, senti uma pontada de familiaridade por entre seus corredores.

Conclusão

A existência de cemitérios verticais, como o Memorial do Rio, certamente insere-se em contextos que excedem esse escrito. E as marcas do período pandêmico, creio eu, estão longe de serem integralmente descobertas, menos ainda assimiladas. Mas na dificuldade que tem sido respirar plenamente em território brasileiro, esse texto foi uma tentativa de juntar alguns cacos para dar forma ao que soa como absurdo. Não para tirá-lo desse lugar, mas para nos aproximar dele. Com algum sentido, com vida.

Pois fato é que, desde que minha avó faleceu, apesar de ter conseguido retornar ao Memorial do Rio já algumas vezes, ainda não consegui retornar à heterotopia que ela deixou para trás. O jardim de sua casa, onde hoje mora uma tia minha, que se mudou com a família para cuidar das plantas da mãe, repousa aparentemente sob os mesmos princípios heterotópicos. A filha agora jardineira e meu primo caçula regam com cuidado o matagal que envolve a casa e, pelas fotos que recebo, o esforço tem valido a pena. Entretanto, ainda não consegui reunir forças para voltar a essa heterotopia e entender que seu funcionamento também foi alterado. A ilusão do mundo inteiro que poderia caber em canteiros, vasos e potes suspensos agora foi desmascarada, e, por enquanto, eu talvez consiga lidar somente com a ordenada compensação de um ambiente cinzento.

Mas tento não ter pressa. Isso quem me ensinou foi o antúrio que minha avó me deu. Desde que suas flores murcharam, elas custaram a nascer de novo, mesmo que a espécie floresça o ano todo. Respeitando seu tempo de planta que não gosta de água, molhava-a em momentos muito pontuais. Troquei a terra algumas vezes e também a transferi para um vaso novo. A nova flor só veio na semana em que recebi a primeira dose da vacina que minha avó deveria também ter tomado. É uma flor engraçada, brilhosa como plástico, vermelha como sangue.

Antes de pôr os pés no jardim de Maria Alice novamente, tenho a minha própria micro heterotopia, onde ensaio nossa despedida como saudação na materialidade da terra.

Bibliografia

FOSTER. H. “An Archival Impulse”. October 110, Fall 2004, pp. 3-22

FOUCAULT, M. “De espaços outros”. Estudos avançados, 27 (79), 2013

LEPECKI, A. “Coreopolítica e coreopolícia”. Ilha, Eletrônica, vol. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012.

TAYLOR, D. “O trauma como performance de longa duração”. O percevejo, Eletrônica, vol. 01, fascículo 01, p. 1-12, jan./jun. 2009.

Publicado por Bernardo Tavares

Bernardo Tavares

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